Em Cidade Tiradentes, um bairro situado no extremo leste de São Paulo (SP), encontra-se o coração da microempresa Omisoró, e uma das principais impulsionadoras do projeto Kilombo Cultural, uma loja colaborativa que abriga o primeiro empreendimento mencionado. Mas como ocorre, na prática, a interligação entre esses dois empreendimentos? E, sobretudo, o que significa essa modalidade conjunta de administração comercial? Jêniffer de Paula, uma ex-atendente de call center que iniciou a produção de suas peças a partir de caixas de leite, nos esclarece.
Uma Rede de Apoio
Ao longo de seus cinco anos de atuação, a Omisoró conquistou um público frequente nas feirinhas afro de Tiradentes, onde seus turbantes, bolsas e biojoias eram apreciados e adquiridos por uma clientela diversificada, proveniente de diversos lugares do estado. Contudo, com a pandemia de COVID-19 em 2020 e a subsequente suspensão de eventos propensos a aglomeração, a dinâmica mudou drasticamente. Jêniffer percebeu que, mesmo migrando suas vendas para o ambiente digital e lançando uma nova coleção, o retorno financeiro já não era tão expressivo. "As pessoas tinham outras prioridades naquele momento", relata a fundadora da loja.
Com o passar do tempo, o meio virtual não se mostrava rentável e as feirinhas não podiam ser realizadas, então a solução mais viável era clara: estabelecer um espaço físico próprio. Entretanto, como arcar com os custos de aluguel em um momento em que os recursos financeiros eram escassos? Dialogando com outras empreendedoras que enfrentavam desafios semelhantes, a empresária percebeu que a criação de uma rede de apoio poderia ser fundamental para manter seu negócio e outros empreendimentos - uma rede composta exclusivamente por mulheres negras e mães solo. Assim, em 25 de novembro de 2021, surgiu o Kilombo Cultural, operando de forma conjunta.
Desde o aluguel até os gastos com mobiliário e energia elétrica, todos os custos são compartilhados, facilitando a resolução das questões financeiras inerentes à criação de qualquer empreendimento comercial. Após receber um impulso do marketplace Feira Preta, a loja encontra-se atualmente em processo de reforma em um novo endereço, e suas mais de 60 empreendedoras inscritas estão ansiosas pela tão esperada reinauguração.

História e Cultura em Cada Tecido e Estampa
Como filha de Oxum iniciada no candomblé, Jêniffer de Paula compartilha que cada elemento em seu trabalho possui um propósito significativo, nada é feito por acaso. O nome Omisoró, por exemplo, foi concedido pela orixá e significa "as águas que correm", evocando sua ancestralidade e trajetória espiritual no terreiro. "Meu empreendimento é resultado da busca pela minha própria história", ela declara, destacando que a ideia de se tornar uma guardiã da cultura começou a tomar forma desde sua infância, ao assistir a um de seus filmes favoritos, o clássico do final dos anos 80, "Um Príncipe em Nova York".
Ao ver na tela o que ela descreve como uma "África rica", a empreendedora compreendeu que a moda afro transcende a mera estética. Ela a enxerga como uma ferramenta narrativa, onde cada tecido carrega consigo um significado profundo. Em suas palavras: "Vender um turbante apenas pelo ato de vender seria algo vazio, assim como vender um simples boné". Com o objetivo de fornecer o contexto adequado para cada peça, Jêniffer decidiu oferecer oficinas de turbantes e técnicas manuais através da Omisoró, além de ministrar aulas de Resgate à Ancestralidade dentro da Secretaria de Cultura e participar de trabalhos voluntários na Fundação Casa.

Orgulho da Jornada e Planos Futuros
"Estou começando a ocupar espaços que nunca imaginei ocupar", compartilha. Sua conversa com a musicista Raquel Virgínia diante de um grande público no Masp, assim como a recente entrevista concedida para a revista Claudia, são testemunhos disso. Mesmo descrevendo seu envolvimento com o universo das vendas como um relacionamento instável, no qual a vontade de desistir muitas vezes rivaliza com o ânimo de criar e avançar, o orgulho dos passos dados pelo negócio torna a ideia de ter uma carteira assinada "uma saudade que vem e passa", em suas próprias palavras.
Um dos planos futuros de Jêniffer é estabelecer uma mini cooperativa de costura, onde mulheres negras e mães solo seriam capacitadas e teriam a oportunidade de dar vida aos modelos desenhados para a Omisoró. Além da autonomia de produção que a realização desse sonho traria para a loja, a geração de renda para pessoas desempregadas no bairro é uma prioridade para Jêniffer. "Sou muito voltada para o coletivo; se for para ganhar sozinha, não me interessa. Sempre busco envolver outras pessoas comigo", conclui a empreendedora que, além de paixão e criatividade, tem o espírito coletivo enraizado em seu DNA.